Zé Pilintra e os Caminheiros de Santo Antônio de Pádua

A sede dos Caminheiros ainda funcionava na 408 Norte. Não lembro, exatamente, qual foi o ano. O terreiro era comandado pelo senhor Ogum da Floresta. E um certo dia, ao dar a mão a um paciente, eis que sinto uma vibração muito diferente. Ouvi seu Ogum, meu padrinho, dizer: "Não tenha medo, deixa ele chegar". Como sempre, entreguei-me de coração. Seja o que Zambi quiser, pensei, em meio àquela vibração estranha que tomava conta do meu corpo e mente.

O espírito, com um gingado diferente, incorporou e cumprimentou a todos com um "boa noite". Ele foi orientado, pelo senhor Ogum da Floresta, a trabalhar para a pessoa que estava sendo atendida. Encerrado o trabalho, seu Ogum perguntou-lhe: “Qual é seu o nome?” Ele se identificou como Zé Pilintra.


A partir daquele momento, ele passou a ser mais um, entre centenas de outros irmãos da espiritualidade, a compor a egrégora dos Caminheiros de Santo Antônio.


Como médium nova e dominada pela natural insegurança  que todos temos, mesmo com passar dos anos, ao findar os trabalhos, recorri ao meu padrinho para entender o que havia acontecido. Seu Ogum da Floresta explicou que estava esperando pela chegada do seu Zé ao terreiro. E, finalmente, ele estava lá. Para aplacar a minha insegurança, meu padrinho aconselhou-me a não ter medo. Acrescentou que a incorporação dele era, realmente, diferente do que eu estava acostumada.


Os anos se passaram, seu Zé se tornou uma entidade casa. Diferentemente do que ocorre hoje, quando temos espaços definidos (cafuas ou casas) para exus, pombojilas, Omulu/Obaluaiê, o Cruzeiro das Almas, para acender velas aos que desencarnaram,  naquela época, não tínhamos nem cantinhos.


Assim que chegamos em Ceilândia, em 1978, construímos o barracão de pré-moldado. Dona Antônia definiu os espaços, nos quais ficariam as casas, hoje existentes no entorno da sede dos Caminheiros, e quem as ocupariam. A maioria delas está no tempo, ou seja, ao ar livre.

O cantinho do seu Zé, uma entidade que forma uma falange, dentro da falange dos malandros, ficou dentro do barraco. Era, como hoje, uma casinha de metal (lata), no formato orientado pela dona Antônia, minha madrinha. Foi ela quem comprou a imagem do seu Zé que, sem seguida, foi consagrada por Seu Ogum da Floresta e ungida pelo senhor Capa Preta, um dos exus de dona Antônia, que dirigia a Gira de Segurança.


Portanto, a casa de seu Zé Pilintra é um dos pontos de firmeza dos Caminheiros de Santo Antônio de Pádua, como determinaram o senhor Ogum da Floresta e a então dirigente Antônia Lins. Com frequência, ele era consultado por dona Antônia ante alguma dificuldade da casa.


Embora Zé Pilintra venha nas giras de Exú, há quem o confunda como tal. Ele não é Exu. É um malandro, originário de Pernambuco, ligado também ao Rito Sagrado da Jurema — os juremeiros — desde a sua vivência no plano material. Trata-se uma vertente afrorreligiosa, que congrega os saberes espirituais de grupos indígenas, da Umbanda e do candomblé. O rito cultua os encantados, uma outra camada de espíritos que, como caboclos, pretos velhos, trabalham com as energias do universo e da natureza para fazer o bem.


Mas Zé Pilintra bebe cerveja, gosta de conhaque, dirão alguns em uma tentativa de associá-lo aos exus. O argumento não se sustenta nem o retira da lista de espíritos de luz.  Tanto essas bebidas quanto o anis são elementos usados para a limpeza. Em todas as pesquisas sobre Zé Pilintra, há consenso de que se trata de uma entidade de luz, que age em benefícios dos mais desfavorecidos, como assim o fez durante a sua passagem pelo plano material, o que lhe assegurou respeito, credibilidade entre os adeptos das diferentes expressões religiosas afro-brasileiras.

[Rosane Garcia]

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