Estranha seletividade

Oxê de Xangô
Tem horas que imagino que estabelecemos uma hierarquia de sentimentos em relação aos orixás cultuados na Umbanda. Estabelecemos uma escala de quem merece mais ou menos o nosso carinho e respeito. Na festa das crianças, a casa estava lotada. A maioria dos médiuns lá estava. Entusiasmados entres doces e frutas. O espaço dos frequentadores se tornou pequeno — muita gente. A maioria adultos e crianças se confundiam diante das muitas guloseimas. Natural. Sempre foi assim, desde que conheço os Caminheiros.

Mas o que chama a minha a atenção são os médiuns. Passamos o ano pedindo bênçãos e ajuda para vencermos nossas dificuldades. Mas quando chega na hora da homenagem, de expressar gratidão por tudo que conseguimos, não vamos à festa. Impedimos, com a nossa ausência, que os caboclos da falange do orixá homenageado compartilhe desse momento de alegria. A homenagem a Xangô sempre é a que conta com o menor número de adeptos, como se esse magnífico orixá merecesse menos consideração, respeito e amor de todos. Acho isso muito estranho.

Provavelmente, ao longo do ano, deixamos esses detalhes passarem ao largo, dando atenção a outros temas, também muito importantes. Mas esquecemos de falar da relevância que teve o caboclo Sete Pedreiras, mentor da linha de Xangô, na construção dos Caminheiros, na educação espiritual dos médiuns mais antigos, impondo disciplina e revigorando a fé de cada um de nós, com quem tive a honra e a alegria de conviver no nosso terreiro. Era rigoroso, mas, ao mesmo tempo, extremamente generoso com todos.

No tempo em que a Terracap queria retomar o terreno, onde hoje está edificada a sede dos Caminheiros, pois a obra não tinha sido concluída no prazo fixado pela companhia, a intercessão de Xangô, por meio de senhor Sete Pedreiras, não tenho dúvidas, foi essencial. Seria uma grande injustiça deixar a obra inacabada para que fosse vendida pela companhia a outra instituição. Mas Xangô é o senhor da justiça. A ele foram feitos muitos apelos para que o resultado do processo fosse favorável aos Caminheiros. E ele não nos desamparou naquele momento de aflição. Nossos apelos foram atendidos. A justiça dos homens e da espiritualidade se fez e conseguirmos erguer a sede da instituição. E, hoje, temos uma casa invejada por muitos, pelo conforto que nos oferece a cada dia de trabalho. Eterna gratidão.

Cada festa em homenagem aos orixás é muito importante para a casa e para todos que são médiuns. Mais do que pedir, são momentos para agradecer pela força, pela saúde do corpo material, pela fé e pela imensa generosidade com que fomos contemplados na condição de médiuns. Fomos agraciados — e isso não é pra todos — com a sensibilidade e com a capacidade de ser instrumento de comunicação da espiritualidade com os viventes que chegam aos Caminheiros.

Por mais que reflitamos, não conseguimos alcançar a dimensão dessa bênção. O nosso sagrado se comunica com as pessoas e as orientam na caminhada terrena. É essa faculdade que nos torna diferente e, por isso mesmo, somos mais exigidos. Por isso, temos que ter mais cuidado com o nosso corpo, com as palavras, com as atitudes e até com os nossos pensamentos. Por isso mesmo, somos testados, ante as dificuldades, na nossa fé em Zambi e na Espiritualidade Maior.

Por tudo isso, não podemos ter escala de preferência por esse ou aquele Orixá homenageado na casa. Em razão da nossa escolha e da aceitação da nossa missão como médium é que temos o dever, ou a obrigação, de participar de todas as homenagens. É conjunto das energias de todos os orixás que nos sustenta nessa trajetória na dimensão terrena e nos dá força para contornar todos os obstáculos naturais da vida. Esse mesmo conjunto de energias é que fortalece a nossa casa e lhe confere singularidade na prática da Umbanda. Então, não podemos ser seletivos no momento de expressar a nossa gratidão a cada uma dessas forças que nos chegam pela misericórdia de Zambi.

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