Perto do luxo, vidas no lixo

Nas vias atrás do comércio do Pistão Sul de Taguatinga, dezenas de barracos abrigam famílias de catadores de lixo em situação degradante

 Reginaldo, nascido em Alagoas, está há muitos anos em Brasília. A pouca escolaridade é um obstáculo para conseguir uma boa vaga no mercado de trabalho. Ele foi pai, pela primeira vez, entre 16 e 17 anos  — ele não se recorda exatamente quando foi. Hoje, aos 34 anos, tem 10 filhos. A caçula, pouco mais de um mês.

Coletar material reciclável e contar com a generosidade das pessoas, que garante
  almoço ou jantar do catador de sucata e de dezenas de outras famílias.  São mulheres, homens, crianças e jovens que vivem às margens das vias entre Taguatinga Sul e Águas Claras. Para amenizar as noites frias, alguns apelam para fogueiras, com restos de madeiras ou de papelão, ou seja, o que não é possível ser vendido.

As casas, muito pequenas, foram erguidas com madeirite, papelão, restos de obras de uma área que vive em plena ebulição pelo comércio efervescente, por onde circulam centenas de veículos de uma classe média para a qual a crise econômica pouco afeta ou inibe o consumo. Eles contam com esse público, que sempre para e oferece algo que necessitam.

"Eu gostaria muito de trabalhar como jardineiro", diz Reginaldo, que assegura ter intimidade com o trato da terra. "Mas se alguém me contratasse para ser faxineiro, lavar banheiro, sala ou o que fosse necessário, para mim seria o céu, pois teria como garantir o sustento da minha família", acrescenta. Ele diz que sem uma indicação ou uma referência dificilmente, hoje, alguém com baixa escolaridade consegue esse tipo de trabalho.

Diferentemente da maioria, ele conseguiu comprar um pequeno imóvel no Paranoá, a 42 km de distância onde vive uma rotina difícil. "Lá fica minha mulher, que foi a primeira namorada com as crianças. Eu fico aqui, pois é aqui que consigo o dinheiro para pagar a prestação de R$ 80 e mais o condomínio, R$120. E ainda consigo levar a comida para eles", conta Reginaldo, que na noite de sábado se desdobrou em agradecimentos pela sopa, agasalhos e cobertores distribuídos pelos integrantes da Caminhada Solidária, mensalmente, realizada pela Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (Ascap).

A insalubridade do local salta aos olhos. Dezenas de crianças expostas a todos os tipos de risco. A indigência é espantosa. Nas proximidades do estádio de futebol, barracas que abrigam grupos de seis ou mais adultos, sem contar com os pequeninos. Na primeira parada dos Caminhantes Solidários, mais de 30 pessoas se aproximaram dos veículos, a maioria delas era crianças, que avançaram sobre as roupas e os brinquedos. A fila se formou para diante da sopa de legumes que era servida, ainda bem quente, acompanhada de pão.

PERTO DO PODER
Algumas mulheres, depois de provar a comida, trouxeram panelas ou potes plásticos para pegar mais sopa — a refeição do dia seguinte estava garantida.  Várias crianças pediram para repetir. A escuridão do local impediu a documentação fotográfica da trágica situação em que dezenas de pessoas vivem a menos de 50km do centro dos poderes federal e distrital.

Atendido o primeiro grupo de famílias, os Caminhantes Solidários seguiram pela via e, a poucos metros, um grupo mais denso de pessoas logo se aproximou quando os carros pararam. A demanda era a mesma: agasalhos, cobertas, além da sopa e do pão. Não havia brinquedos para ofertar.

A Caminhada Solidária não visa só os moradores em situação de rua. Desde setembro, atividade ocorre também em abrigos e asilos. Os alimentos, roupas e agasalhos são frutos das doações recebidos. Vale destacar a contribuição do pequeno empresário Sebastião Luz, que comercializa laranjas na Feira do Produtor de Ceilândia, que tem permitido à Ascap produzir a sopa de legumes e melhorar as cestas de alimentos, mensalmente, doadas às famílias que vivem no Sol Nascente. Trata-se da verdadeira partilha do pão.

Neste mês, a Ascap conseguiu entregar mais de 100 cobertores e agasalhos às famílias e aos moradores em situação de rua graças às generosas doações do grupo Mulheres de Brasília, do Movimento Maria Cláudia pela Paz e da Associação de Funcionários do Banco do Brasil, que responderam, com muita fraternidade, à Campanha do Agasalho, promovida pela instituição. Gestos assim e a força dos voluntários da Ascap têm sido essenciais em todas as atividades.

Mas as metas da Ascap são mais ambiciosas. Com a oferta de cursos/oficinas diversos, a instituição quer capacitar as pessoas assistidas e as da comunidade para que possam, com o próprio esforço, conquistar autonomia para se sustentar com dignidade, sem depender de iniciativas semelhantes. A relação de cursos/oficinas pode ser conhecida no site da Ascap: https://ascapbsb.org

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