Na folia de Momo, reinam os orixás
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Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro |
O drama do desemprego
ou do subemprego que afeta 23,4 milhões de pessoas no país não consegue ser uma
ducha de água fria na alegria do brasileiro. Problema? Quem não o tem? Mas é
tema para depois da quarta-feira de cinzas. O tempo é de folia, alegria e muita
brincadeira na rua. A maioria quer saber mesmo é do samba ritmado pelo bandeiro,
reco-reco, tamborim, surdo, cuíca. O corpo pareces se desconectar do cérebro,
conquista autonomia e obedece o comando da bateria. É hora de sambar...
Na avenida, as cores
cintilam. Muita purpurina, confete, serpentina. O imaginário se torna real.
Nesse cenário, o sorriso largo muda a face do Brasil problema. Alegria, emoção
e fé se misturam e formam um caldo com sabor genuinamente brasileiro. Profano e
sagrado são lados do mesmo ser, completo na sua dualidade.
Nas avenidas largas,
as raízes das nações bantu, keto, nagô, ioruba e a magia da Umbanda, que carrega
no seu DNA os cromossomos da religiosidade africana, se entrelaçam. As
diferenças que dão identidade aos povos tradicionais e originários se unem na
ópera bufa e tingem a alma da brasilidade e dão o tom da pluralidade nacional.
Em 2017, a tradição se
manteve. As divindades, mais uma vez, emprestaram suas energias e foram
homenageadas pelas grandes escolas de samba. Gratidão, reconhecimento e as
virtudes foram cantados e exaltados nos sambas-enredo das agremiações cariocas.
Nas entrelinhas, desfilaram os incômodos que afetam a vida de 204 milhões de
pessoas.
Não há dúvida: a força
do axé está entranhada na alma do brasileiro, como nenhuma outra expressão de
fé em meio à diversidade singular de cultos e rituais, que marcam as fibras do
tecido cultural do país. A energia dos terreiros — seja Umbanda, seja Candomblé
— emerge como a mais vibrante e mais popular.
A Mangueira saudou o
Povo de Aruanda ao cantar, em versos e trovas, Iemanjá, a rainha dos mares, reconhecida
como Inaê, Marabô, Janaína, Mikayá. A grande mãe também foi louvada pela
Mocidade Independente de Padre Miguel, que não negou o seu amor por Oxum, a
senhora das águas doces. Águas tão ameaçadas pela iniquidade humana.
A senhora do ouro, do
amor, das cachoeiras ainda foi homenageada nas estrofes do samba da Portela,
que apostou nas emoções que ela desperta. As águas essenciais à vida vieram
também nas estrofes da Portela, que se rendeu à Oxum ou Dandalunda, a senhora da fertilidade
e também do amo. Uma poesia à mulher, essencial à vida, mas
desprezada no cotidiano. O Salgueiro reverenciou o povo nagô e a contribuição
que os negros deram à variedade de ritmos e musicalidade que tornam ao mundo mais suave.
Foi com amor que a
Império da Tijuca trouxe para o católico São João Batista, que na Umbanda é
Xangô, o senhor da Justiça, hoje, tão requisitado pelo povão. O panteão de
orixás da Umbanda. Oxalá, Nanã e Orumilá (senhor da criação do universo) foram
lembrados pela Unidos de Padre Miguel. A escola louvou ainda os pretos velhos,
ícones na nossa ancestralidade nos terreiros de Umbanda, e que torna o passado
presente no nosso dia a dia para nos lembrar de que “tortura, nunca mais”.
A alegria do carnaval
ganhou força com a homenagem da Viradouro à Ibeijada (crianças). E como elas precisam ser cuidadas. Frágeis e,
muitas vezes, absolutamente desamparadas, continuam vulneráveis ante a
crueldade dos adultos e o descaso do Estado. Todos os dias pelo menos 29
crianças, até 11 anos, são assassinadas no país, revelou estudo da Faculdade
Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso), no passado. E depois não sabem
porque a sociedade está envelhecendo.
A Padre Miguel resgatou
Ossãe ou Katendé para o povo bantu. Ele é o senhor das folhas, da medicina, da
química. E não poderia ser em hora melhor, quando o povo se queixa dos serviços
de saúde e não tem acesso aos avanços da indústria farmacêutica, que extraí da
flora os elementos para a cura dos males da matéria.
Ganhou brilho e
confrontou a realidade o enredo da Imperatriz Leopoldinense. Cantou a plenos
pulmões a tradição dos povos indígenas, cujos ancestrais são louvados nas giras
de caboclo na Umbanda. A escola desfilou o desrespeito da elite aos guardiões
das nossas matas e rios. A Beija-Flor seguiu na trilha das nossas florestas e
saudou a Jurema. Juremeiros do Nordeste, que deram roupagem singular ao legado
africano, que traduz cada elemento da natureza como força de um orixá.
E assim, a fé
umbandista e candomblecista congrega etnias, crenças diversas. Não há
tolerância, mas respeito, que vira canção e enredo no país do samba, mas que precisa
cuidar dos seus valores, pessoas, poetas e reconhecer em cada crença a força para uma
cultura de paz.
[Rosane Garcia]
Comentários
Eu senti grande alegria com esa belíssima homenagem aos orixás, na verdade eles os Orixás gostam de alegria, cores, luzes e muito amor no coração.