Umbanda é acima de tudo servir


 
Tata Francisco Ngunzetala

Teoricamente a defino como um portal ancestral que tem as características próprias de acordo com o grupo que a forma.  A formação da mônada (1) e egrégora (2) espirituais são de acordo com o grupo. Existem grupos de Umbanda que são quase uma igreja cristã, outros quase um candomblé, outros quase uma pajelança, outros quase um acampamento de cigano e há até mesmo grupos que parecem mais com templos de tradições orientais como o budismo e hinduísmo por exemplo.

Mas a Umbanda mantém uma estrutura teológica coerente onde todas as linhas têm o seu espaço no grande portal espiritual ancestral, e sendo o Preto Velho e o Caboclo, por exemplo, seus maiores expoentes de ação e manifestação do amor divino, seguindo-se das diversas linhas espirituais de Orixás, das almas, das águas, de "esquerda" e tendo por Deus maior Nzambi, que se manifesta na diversidade da natureza e de seus guias, sob a paz do manto de Oxalá englobando o grande sincretismo com os Santos Católicos.

Só pelo pouco acima, resumidamente escrito, dá pra se ver a capacidade de aglutinação que a Umbanda tem. E olha que aqui nem discutimos por exemplo a questão da Umbanda ter originado em 1908 com o médium Zélio Fernandino de Moraes na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade - fundada pelo Sr. Caboclo das Sete Encruzilhadas que, incorporado na presença de várias pessoas, inclusive membros da Federação Espírita de Niterói, teria dito as seguintes palavras: "Vim para fundar a Umbanda no Brasil. Aqui, inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos-velhos e os índios nativos de nossa terra poderão trabalhar em benefício do seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo, ou posição social. A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, será a característica principal desse culto."

Claro que este episódio só denota o início de uma certa sistematização e de se abrir uma porta da Umbanda para outras classes sociais que também necessitavam dos seus préstimos de caridade porém, não se pode negar a sua base africana ou afro brasileira através do velhos africanos encarnados ou desencanados que já mantinham vários ritos e tradições antes desta data, sendo conhecidas por vários nomes, inclusive por Macumba no Rio de Janeiro.

A própria palavra Umbanda é de origem Kimbundo e Umbundo que significa curar ou magia que cura, ou título do sacerdote de cultos nativos de Angola/Congo. Claro que várias tentativas de desafricanizar a Umbanda já existiram, com explicações mirabolantes para a palavra Umbanda, mas não tem como, pois tirar a origem africana da Umbanda é querer, por preconceito negativo, dizer que para ser bom tem que passar pelo crivo europeu ou colonizador.

A Umbanda é afro-brasileira sim!

É diversa sim na sua capacidade de aglutinar várias tradições e fé mas, sua natureza está pautada em Nzambi e nas suas manifestações seja por divindades seja por ancestrais embora, em tese, na Umbanda é o espaço de manifestação de ancestrais e antepassados, que são conhecidos por guias de luz.

Isto tudo foi só uma tentativa de abordar resumidamente a Umbanda historicamente e teologicamente, mas Umbanda na prática é caridade! É doar-se voluntariamente, seja como entidade eterna que somos mesmo encarnados, para cuidar de alguém, seja como meio de mediar a intervenção de irmãs e irmãos que já viveram na terra e hoje trabalham voluntariamente também.

Não se cobra e não se vende. Umbanda é Servir Voluntariamente.

É simplicidade. É deixar o seu corpo vibrar uma consciência missionária que vive em outras dimensões e que não tem obrigação de falar nada nem de adivinhar nada, muitas vezes só um passe e só ouvir e dizer: Vá com Deus. Tenha fé. A vida segue e Deus é contigo. Só isto, muitas vezes, já é suficiente!

É deixar o corpo ser usado para esclarecer e magnetizar um espírito que está equivocado nos caminhos negativos e que de outro modo não se deixaria cuidar mas, com o choque na matéria através de um "transporte" fica mais vulnerável à ação benfeitora dos nossos amigos iluminados se deixam levar e serem cuidados. Ser médium de Umbanda é uma bênção.

Ser kambono de Umbanda, cuidar dos que estão mediunizados, é doutrinar um irmão que foi trazido para a corrente para ter oportunidade de incorporar num médium e ouvir uma palavra de amor e perdão, firmar a corrente e doar energia para que a gira aconteça, é defumar, é tocar um atabaque, é cantar um ponto, é firmar uma vela, é defumar, é queimar uma pólvora. Ser kambono de Umbanda é uma bênção.

Um descarrego, um conselho, uma bênção, um palavra, uma cura, um amaci (banho de folha na Umbanda) uma renovação da fé, um renovar para a vida e para as buscas deste lado da existência. Tudo isto é uma bênção.  Tudo isto é Umbanda. Humildade.

Não tem entidade mais bonita que outra. Cada uma tem a luz divina em sua coroa. Não tem linha mais pura ou menos pura. Cada linha com sua energia e com a manipulação das energias. Não é a roupa e não é o dançar mais ou  menos bonito que faz a Umbanda.

Umbanda é humildade e respeito. É reconhecer cada ser como sagrado. É não competição. É não ocupar a mente nem a língua em negativar o irmão. É ser discreto e responsável com as informações pessoais que tem acesso nos ritos, nos disponibilizadas pela confiança das pessoas que nos procuram (até porque o contrário pode nos gerar, inclusive, processos judiciais, pois a honra e a privacidade são bens invioláveis). 

É não se ocupar com feitiço, no sentido cristão ocidental da palavra. É se ocupar com o rito que eleva a alma e o corpo, mesmo que tenhamos que viver momentos de dores nesta existência. É nunca estar só. 

É não se achar melhor do que ninguém (até porque não somos mesmo, e a proposta é nos libertamos das ilusões) É olhar e ter compaixão do que se aparenta mais frágil e menos digno, ao que aparenta ser o maior dignitário. Tudo é ilusão. Para a Umbanda todos e todas são iguais. 

É ter uma família muito além dos laços sanguíneos.  É não fazer nenhuma ação que possa gerar dor no outro/outra. É não fazer trocas com o sagrado. Eu vou servir por livre e espontânea vontade independente dos acontecimentos particulares da minha vida.

É ser Luz mesmo com todas as sombras.
É SER.
É UMBANDA.


1 - Mônada - Conceito-chave na filosofia de Gottfried Wilhelm Leibniz foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão. Leibniz. No sistema filosófico deste autor, significa substância simples, algo "único", "simples". Como tal, faz parte dos compostos, sendo ela própria sem partes e portanto, indissolúvel e indestrutível. “Cada mônada é, no entanto, distinguível das outras, possuindo qualidades que variam unicamente por princípio interno, visto que, enquanto substância pura, nenhuma causa exterior pode influir no seu interior”
 2 - Egrégora. Termo grego que designa  força espiritual gerada a partir da soma de energias coletivas (físicas, emocionais e mentais) de duas ou mais pessoas reunidas em grupo, assembleia ou congregação.

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