Governo do DF decide encarar o racismo

Governador Rollemberg assina decreto de criação
da delegacia: "Temos uma sociedade doente"

Delegacia contra intolerância começa a trabalhar em 10 dias com 15 agentes. Diretor da Polícia Civil compara nova unidade a um Jequitibá e secretária de Segurança admite campanhas de sensibilização. Mãe Baiana contém revolta e invoca orixás


»Texto: Solon Dias || »Fotos: Elza Fiuza/EBC

O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, assinou nessa quinta-feira (21/1 —Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa) decreto de criação da Delegacia Especial de Combate a Crimes Raciais, de Intolerância Religiosa e de Violação de Direitos Humanos. Estarão à disposição da nova unidade de segurança, 200 profissionais - 100 escrivães e 100 agentes policiais, mas ainda não há prazo definido para a transferência de todo o efetivo.  A delegada titular encarregada de organizar o combate à violência contra terreiros é Gláucia Cristina da Silva, que até ontem ocupava o cargo de delegada-adjunta na Polícia Civil.

Para Rollemberg, a criação da delegacia é “a demonstração de que temos uma sociedade doente”. O governador enfatizou que a capital da República, considerada patrimônio cultural da humanidade, “não pode conviver com crimes de intolerância”.

Gláucia Cristina disse que a delegacia vai ajudar no combate, porque o enfrentamento diário exige a colaboração de outras unidades e da população como um todo.  Ela garantiu que os policiais serão preparados para o atendimento às vitimas do racismo e para o combate propriamente dito. “Vamos rogar aos nossos deuses e orixás para que, aos poucos, a intolerância não venha mais a ter os índices que apresenta”.  Gláucia garantiu que a Delegacia trabalhará acima de tudo com respeito aos que apresentarem denúncias de discriminação e violência. Dentro de cerca de 10 dias, segundo suas estimativas, a Delegacia dará os primeiros passos com um contingente de 15 pessoas, entre escrivães e policiais.

A secretária de Segurança Pública do DF, Márcia Alencar, afirmou que não há possibilidade de retrocesso no combate à intolerância religiosa, ao racismo e a outros crimes que caminham de mãos dadas. “Enquanto eu for secretária de Estado de Segurança e Rodrigo Rollemberg for governador do Distrito Federal, todos os compromissos que foram firmados serão ampliados, consolidados e efetivados. Isto é uma política pública que nós temos o dever de cumprir rigorosamente. E isso é um direito de toda a sociedade de Brasília.”

Márcia Alencar vislumbra outros desafios para a nova delegacia. Reconhece que investimentos em equipamento e profissionais não serão suficientes para a luta que se trava contra a discriminação e o ódio, mas minimizou as dificuldades com ações de governo que já existem, como o programa “Viva Brasília, nosso pacto pela vida”, que trabalha com a vertente da prevenção nos segmentos de maiores vulnerabilidades sociais.

Mãe Baiana teve o seu terreiro incendiado
em 27 de novembro de 2015
Em 2015, grupo de trabalho que atua com prevenção no programa, elaborou um plano de ação no Programa Cultura de Paz, que pretende desenvolver campanhas de sensibilização das comunidades para mudar hábitos de informação “que geram o isolamento dos vários setores da sociedade em seus guetos”. Márcia defende o envolvimento da sociedade civil em todas as campanhas da Secretaria de Segurança. “É importante que a sociedade colabore com o governo para a construção de uma cultura de paz”, afirmou

Embora os crimes de intolerância religiosa venham crescendo no Distrito Federal há muitos anos, a criação de uma delegacia especializada nesses tipos de crimes foi determinada por Rollemberg apenas depois do ataque a um terreiro de candomblé, no Paranoá, em novembro de 2015. Um incêndio com indícios criminosos destruiu o galpão do terreiro Axé Oyá Bagan, da ialorixá Mãe Baiana (Adna Santos). Na cerimônia ocorrida na manhã desta quinta-feira, ela invocou os orixás Ogun e Iansã para ajudá-la a expressar seu agradecimento.

Mãe Baiana foi econômica nas críticas ao modelo de segurança pública deficiente para os povos tradicionais de matriz africana. Preferiu elogiar a ação do GDF na tomada de decisão e evitou comentar a morosidade das investigações em ocorrências apresentadas por representantes de terreiros nas delegacias de polícia. “Quando o governador me perguntou, depois de meu terreiro ter sido incendiado, se eu queria alguma coisa, respondi que não desejava nada pra mim, mas para todos nós”, disse a yalorixá, que teve todo o seu barracão incendiado no final do ano passado.

Ao lado da presidente da Fundação Palmares, Cida Abreu, Mãe Baiana, que trabalha na instituição, elogiou a assinatura do protocolo de intenções com o GDF para a revitalização da Praça dos Orixás — conhecida como Prainha, tradicional ponto de eventos de umbanda e candomblé em Brasília —, e também a conclusão do plano de Mapeamento dos Terreiros do Distrito Federal.

No discurso em que anunciou a medida, Rollemberg classificou a iniciativa como elogio à diversidade de credos religiosos no Brasil. “Como é linda a diversidade”, disse, entusiasmado, perante pais e mães de santo, pastores evangélicos e sacerdotes wiccanianos, conhecidos como bruxos da comunidade pagã em todo o mundo. 

Sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen: "Muito mais
que tolerância,o que queremos  é respeito à diversidade
 A sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen, presidente da Associação Brasileira de Arte e Filosofia da Religião Wicca (Abrawicca) e principal dirigente do Templo da Deusa, reagiu à demora na edição do decreto com elogios à medida. “Esperamos muito tempo por momentos como este.  São muito importantes a nova delegacia e o Comitê de Diversidade Religiosa. Algumas religiões que defendem suas tradições, porém, rendem votos para os governos, mas a nossa tradição não tem número para isso”. Mavesper acrescentou: “Muito mais que tolerância, o que queremos é o respeito à diversidade”.

O diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, afirmou que a nova delegacia não impactará na instituição e recorreu à comparação poética para definir a nova unidade de segurança: “A delegacia de combate à intolerância religiosa é como um jequitibá; quando é plantado não passa de uma pequena semente, mas aos poucos vai se tornando frondoso e profundo em suas raízes”. A delegacia está instalada provisoriamente, na sede do Departamento de Polícia Especializada. “Este é o primeiro passo de uma série de muitos outros”, completou.

Comentários

Anônimo disse…
Parabéns à todos q participaram na realização do ato.
O Deus (Pai) é um só p todas as pessoas.
Axé

Postagens mais visitadas deste blog

A diferença entre incorporação na umbanda e transe de orixá

Salmo 23 na versão da Umbanda

O fundamento da casinha de Exu