Denúncia, fé e tradição

Representantes das casas da religiosidade de matriz africana entregam ao governo carta em que reclamam da violência dos fundamentalistas, cobram providências do Estado. Na cerimônia, foi lançado o Plano Nacional de Cultura Afro-brasileira e comemorado os 27 anos da Fundação Palmares

Cerca de 800 pessoas, entre representantes de casas de candomblé, umbanda e de comunidades tradicionais de matriz africana, tomaram conta do Salão Negro do Ministério da Justiça na última quarta-feira (26/8). Além de festejar os 27 anos da Fundação Palmares, os grupos denunciaram a escalada de violência contra os afrorreligiosos patrocinada pelos fundamentalistas neopentecostais. Os ministros da Cultura, Juca Ferreira; da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Nilma Lino; e das Comunicações, Ricardo Berzoini, solidarizaram-se com as queixas.
A carta ao governo foi subscrita por cinco instituições representantes de comunidades de terreiro — Foafro, Ilê Axé ÒyáBagã, Ilê Axé Odé Erínlé, Ilé Asé Jagun Onigbejá Ti Oşun e o Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua (umbandista).

No documento, os representantes das comunidades pedem às autoridades “enorme atenção às crianças humilhadas nas escolas, não poucas vezes, por professores que professam outra fé”. Exigem, também, “rigor nas investigações, com a imediata punição das práticas de intolerância, bem como das práticas que colocam em jogo a laicidade do Estado”.

A entrega formal da Carta assinada por parte das comunidades tradicionais foi feita durante o lançamento do Plano Nacional de Cultura e do projeto “Diálogos Palmares”, política de ação cultural da Fundação Palmares. Embora não tenham prometido, os três ministros reconheceram a ausência de políticas mais consistentes no combate ao racismo, solidarizaram-se com os representantes dos povos de terreiro.

O ministro Ricardo Berzoini, lamentou sua rápida passagem no evento, mas lembrou que seu ministério não está desatento às transversalidades exigidas pelas políticas públicas conduzidas pela Seppir. A ministra Nilma Lino, por sua vez, disse que, no âmbito cultural, a Secretaria se coloca como parceira da Fundação Palmares e que “está ao lado” da resistência da matriz afro-brasileira. “Há 27 anos, desde a instituição da Fundação Palmares, e há 15 anos, quando foi instituída a Seppir, estamos trilhando o mesmo caminho”.

Ao se referir às cobranças dos líderes dos terreiros representados no encontro, Juca Ferreira disse que “a Seppir é uma espécie de complementação da Fundação Palmares”. Ele ressaltou que, no âmbito das tarefas que cabem ao MinC, o importante é destacar que ainda não se resolveram todos os aspectos envolvendo o embate “escravos versus escravizados”. Acentuou, porém, que ”tanto a Fundação Palmares quanto a Seppir são exemplos de democracia”.

Ao fim do discurso, Juca Ferreira rendeu homenagens “a todas as casas de santo”, referindo-se a elas como “sítios sagrados”. Terreiros – ele disse – são lugares de transmissão de conhecimento e preservação de hábitos que não têm usos cotidianos.

Ao entrarem no Salão Negro, os três terreiros representados no encontro reproduziram ritual de oferenda aos integrantes da mesa de trabalho, despachando aos seus pés duas gamelas (recipiente feito de madeira especial) contendo comidas de santo, uma com Amalá, para o orixá Xangô, e outra com Acarajé, para Iansã. A oferenda foi mantida diante da mesa principal durante todo o desenvolvimento da cerimônia oficial no Ministério da Justiça.

Além dos ministros, compuseram a mesa, a presidente da Fundação Palmares, Cida Abreu; o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio, representando o ministro José Eduardo Cardoso; o babá nigeriano Iawo Abimbolá, especialmente convidado para o encontro; e Maria Madalena Correia do Nascimento, conhecida como Lia de Itamaracá, dançarina, compositora e cantora de ciranda brasileira. Lia foi designada para a ocasião como representante da sociedade civil.
Texto e fotos: Solon Dias
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