Intolerância vira barbárie religiosa

Menina de 11 anos, iniciada no candomblé, é insultada
e agredida com pedrada no Rio de Janeiro

Agentes da 38ª Delegacia de Polícia (Irajá) procuram dois jovens, com cerca de 20 anos, que, no último domingo, agrediram Kailane Campos, 11 anos, com pedrada na cabeça, na Vila da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. A criança perdeu muito sangue e está assustada com a violência. Hoje, ela deverá ser submetida a exame de corpo de delito. “Continuo na religião, nunca vou deixá-la. É a minha fé. Mas não saio mais de branco. Nem no portão eu vou. Estou muito, muito assustada. Tenho medo de morrer. Muito, muito medo", disse a garota, que foi insultada pelos agressores por estar vestida de branco, traje típico do candomblé.

De acordo com a avó da criança, Kátia Marinho, 53 anos, dos quais 33 dedicados ao candomblé, eram seis ou oito pessoas que voltavam para casa depois de participarem de festa religiosa. No trajeto, foram ofendidas pelos dois homens, que as chamaram de “macumbeiras”, que deveriam “queimar no fogo do inferno”. Não satisfeitos em vociferarem os insultos, um deles atirou a pedra que atingiu a criança. Em seguida, ambos fugiram de ônibus, segundo relato das testemunhas que estavam na parada.

Em nota, a 38ª DP informou que “os agentes irão realizar diligências para localizar imagens e testemunhas que possam auxiliar na identificação da autoria do crime. O caso foi registrado como lesão corporal e no artigo 20, da Lei 7.716 (praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional)”.

As agressões aos afrorreligiosos não são novidades. Elas ocorrem com muita frequência e em todo o país. Resultam da intolerância religiosa, do racismo, do preconceito e fazem parte de projeto político de poder dos fundamentalistas ou evangélicos neopentecostais. Eles estão empenhados na construção de um estado teocrático, a exemplo do Estado Islâmico que, com base em interpretação do Corão, decapita e queima pessoas vivas, como fartamente temos visto nas emissoras de tevê e nos jornais. Aqui, eles empunham a Bíblia para sacar agressões e infâmias contra os adeptos da religiosidade de matriz africana, os negros (por eles denominados de malditos) e os homossexuais.

No Congresso Nacional, os fundamentalistas compõem expressiva bancada de deputados e senadores. Hoje, o grupo urde a construção do Estatuto da Família que, entre as muitas aberrações, derruba o reconhecimento da união homoafetiva. Há a intenção de impor a Jesuscracia, que muda o caput da Constituição de 1988. A Carta Magna reconhece que “todo o poder emana do povo e em nome do povo deve ser exercido”. Os fundamentalistas querem a substituição do texto pelo que declara que “todo poder emana de Deus e em nome de Deus deve ser exercido”.

A formação do Estado Teocrático é a base para legitimar a cruzada fomentada e patrocinada pelos neopentecostais contra os terreiros de Umbanda e Candomblé. A gravidade é maior ainda quando constatamos a inércia do poder ― Executivo, Legislativo e Judiciário. A Justiça tem sido extremamente branda com os crimes de racismo.

Os autores são punidos por “injúria racial”, e não por racismo, que é imprescritível e inafiançável, com punição mais severa. Assim, a brandura do Judiciário chega a ser estímulo à leviandade e à violência dos fundamentalistas. Agora, crianças são apedrejadas, amanhã, se nada for feito, adultos serão queimados em praça pública. É barbárie que domina o Brasil do século 21. Até quando as autoridades se manterão omissas diante da perseguição contra a aforreligiodade no país?
(Texto: Rosane Garcia, com agências da internet)

Comentários

Creusa lins disse…
O texto traduz toda a nossa decepcao com as nossas autoridades, em especial as policiais e judiciarias. O retrocesso das nossas Instituicoes e visivel. A luta dos grandes estadistas que em tempos passados lutaram por uma sociedade mais justas, hoje observam todo o seu trabalho se esvair.

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