Sucessão nos terreiros



Hoje, milhões de pessoas estarão com a atenção voltada para o Vaticano, onde 115 cardeais participam da escolha do futuro papa. Muitos umbandistas e candomblecistas, boa parte egressa do catolicismo, também estão curiosos para saber quem substituirá Bento XVI, primeiro chefe da maior congregação religiosa a renunciar em 600 anos.

Os motivos que levaram o papa a deixar o cargo pouco ou quase nada têm a ver com a sua confessa debilidade física ou espiritual. Estão relacionados a aspectos materiais rasteiros, a começar pela sucessão de escândalo sexuais, que romperam com a fantasiosa pureza  existente entre os religiosos. A eles somaram-se desvios gravíssimos na administração do banco do Vaticano.

A dimensão desses problemas se revelou grandiosa demais para ser enfrentada por um homem de 85 anos. Hoje, a Igreja inicia a busca por alguém mais jovem e com vigor suficiente para romper com os desmandos que compõem um dossiê, com mais de 300 páginas, guardado sob sete chaves por Bento XVI.  O colégio cardinalício tem a difícil missão de eleger um religioso que reconduza a Igreja aos verdadeiros princípios cristãos.

AFRO-RELIGIOSIDADE
As religiões de matriz africana têm formas próprias de escolher os sucessores de seus dirigentes, seja por afastamento ou por morte. Essa escolha varia de acordo com o terreiro, com a linha seguida pela casa e doutrina que orienta os trabalhos espirituais. No Candomblé, normalmente, essa escolha acontece por meio de consulta ao oráculo (ifá ou jogo de búzio). Essa orientação é suficiente para que a substituição ocorra de modo pacífico.

Na Umbanda, em algumas situações, a sucessão é definida com largo prazo de antecedência por indicação do guia-chefe do terreiro ou por decisão do dirigente, que, inspirado pela Espiritualidade, prepara a pessoa que o substituirá no cargo. Uma das formas mais comuns é por hereditariedade  — filho, filha, neto, bisneto ou bisneta —, desde que o escolhido faça parte dos trabalhos espirituais e se mostre capaz de dar continuidade às ações do dirigente.

A sucessão vai muito além do cargo. O ungido deixa de ser um médium preocupado apenas com seus trabalhos espirituais. Ele passa a ter a obrigação de se ocupar de todos os trabalhos realizados na casa por cada um dos seus integrantes, tendo como orientação maior os fundamentos legados pelo antecessor. Cada detalhe não lhe pode passar despercebido. Parece algo sobre-humano. Mas a escolhido conta com especial assistência espiritual, pois é preciso considerar que a espiritualidade está ao seu lado para ajudá-lo a cumprir a missão de preservar a casa.

Há ainda situações em que a sucessão se dá de maneira natural. Entre os médiuns, há aquele que indiscutivelmente substituirá o dirigente diante de uma vicissitude (morte natural, acidente ou afastamento pelos mais diversos motivos). Esse médium tem força, energia e carisma, além de outros atributos, que o tornam um líder espiritual nato.

Nenhum desses fatores emerge pela vontade de um ou de outro integrante do terreiro. É algo que emana da espiritualidade e se confirma na prática diária do centro, ou seja, aquele médium é um predestinado pelas energias do astral para exercer a função de comandar o terreiro, ainda que não tenha laço carnal com o antecessor.

Ainda que os integrantes do corpo mediúnico de um centro de Umbanda não tenham domínio sobre o processo sucessório, isso não elimina do terreiro a possibilidade de uma gestão democrática. A responsabilidade pelo centro é coletiva. Todos, indistintamente, têm que zelar pelo bom nome da casa que o acolheu para o desenvolvimento dos trabalhos espirituais ou para onde foi conduzido pelos seus guias e protetores, que compreenderam aquele espaço como sagrado.

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