Perseguição institucional aos terreiros do DF pode acabar

Uma reunião entre poder público e sociedade civil do Distrito Federal pode colocar fim a uma prática que envergonha a capital federal: a perseguição aos terreiros de umbanda e candomblé. O Estatuto da Igualdade Racial prevê que eles são patrimônio histórico e cultural – e, portanto, devem ser preservados. Porém, só este ano, uma casa foi fechada e outras dez, notificadas. Para o babalorixá Ivanir dos Santos, a escalada de intolerância religiosa é nacional

Najla Passos

Brasília - Nesta segunda (26), poder público e sociedade civil se reúnem no Palácio Buriti, sede do poder político do governo do Distrito Federal, para tentar pôr fim a uma prática que envergonha a capital minuciosamente planejada, há 52 anos, para sediar o poder federal e receber, com igualdade de oportunidades, brasileiros de todas as regiões, raças e credos: a perseguição institucional aos terreiros de umbanda e candomblé.
rdo com o diretor de Políticas Públicas da Federação Brasiliense de Umbanda e Candomblé e coordenador do Fórum Afro-Religioso do DF, Michael Fêlix, o problema é histórico, mas agravou nos últimos anos. E persiste ainda hoje, apesar do Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em 2010, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prever que os terreiros são um patrimônio histórico e cultural que deve ser preservado.

Em fevereiro passado, a Agência de Fiscalização do DF (Agefiz) interditou um terreiro localizado no município de Planaltina (a 38 Km de Brasília) e notificou outros dez. A justificativa era que eles não se enquadravam no padrão de “atividade comercial”, previsto pelo plano diretor . “O governo está enquadrando templos religiosos como microempresas, o que é uma discrepância”, critica Fêlix.

Houve também a cobrança do “habite-se”, uma espécie de autorização do poder público para construção. “Em cidades como Planaltina, em que 80% das edificações, comerciais ou residenciais, estão irregulares, isso é praticamente impossível de se conseguir”, acrescenta. E, ainda, a exigência de que, para o templo religioso funcionar, precisaria de autorização expressa de pelo menos 60% da vizinhança. “Nós reconhecemos que há problemas de som, por causa dos tambores, mas o preponderante ainda é o preconceito”, avalia.

Em 2009, as agressões foram ainda mais vorazes. Um terreiro localizado na quadra 905 da Asa Norte, área nobre da capital, chegou a ser demolido pelo mesmo motivo. Localizado em terreno público, se encontrava, de fato, irregular. “O curioso é que os outros 50 ou 60 estabelecimentos que cercam o terreiro, também irregulares, não sofreram a sanção. A demolição foi, sim, um ato de preconceito e intolerância religiosa”, afirma a mãe de santo Vera Lúcia Chiodi, proprietária do local.


Segundo ela, por um esforço da comunidade, o templo religioso foi reconstruído e continua funcionando sem autorização, o que prejudica o desenvolvimento das atividades da casa, como a execução de projetos sociais, alguns deles interrompidos desde então. “Não existe política pública para preservação das casas tradicionais de terreiro no DF e, por isso, estamos sempre à mercê de decisões arbitrárias”, denuncia.

Na época da demolição, uma reação dos praticantes das religiões de matrizes africanas levou o poder local a propor soluções para o problema. A que se mostrou mais viável foi a aprovação, pela Assembleia Legislativa do DF, de uma lei que regularizava os estabelecimentos localizados em áreas públicas desde 2006, caso do terreiro de Mãe Vera e vários outros.

A lei foi sancionada, legalizando a situação de mais de 1,8 mil endereços, incluindo igrejas católicas e evangélicas. Os endereços de terreiros, entretanto, desapareceram da norma legal, sem que ninguém se responsabilizasse pelo ocorrido. “Desde o governo passado, ficou a promessa de que seria feito um aditivo à lei, mas não passou de retórica, como quase tudo que nos diz respeito”, conta o coordenador do Foafro.

Em fevereiro, após as novas investidas contra os terreiros, a equipe da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial intermediou uma reunião entre os representantes da umbanda e candomblé, do parlamento local e nacional e o vice-governador do DF, Tadeu Filippelli. O vice-governador alegou que a interdição e as notificações obedeciam à legislação, mas se comprometeu a encontrar uma solução para o impasse. Foi instituído, então, um grupo de trabalho para sanar o problema. As propostas serão apresentadas nesta segunda.

Uma das tarefas do grupo era mapear os terreiros de Brasília e Entorno que, pelos cálculos da Federação, somam entre 350 e 500 casas. “Além da perseguição do poder público, há o preconceito e também a pressão do mercado imobiliário. Por isso, muitas casas têm saído de Brasília e se estabelecido em cidades do entorno, onde há mais área verde e menos pressão institucional”, afirmou Fêlix, que tem grandes expectativas em relação à reunião.

Escalada da intolerância

 O babalorixá Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, do Rio de Janeiro, afirma que a escalada da intolerância religiosa tem caráter nacional e assume as mais diferentes facetas. “Vai desde a escola pública, que deveria ser laica, mas proíbe as festas de São João, por causa da religião da diretora, até as depredações e apedrejamento dos terreiros, praticadas por extremistas, que configuram crime”, exemplifica.

De acordo com ele, o fenômeno não é específico das religiões de matrizes africanas, embora, no Brasil, elas sejam as mais afetadas. “Nós também registramos ocorrências contra judeus, muçulmanos, ciganos e religiões minoritárias em geral, mas a grande maioria é contra praticantes de umbanda e candomblé, que são os mais atacados”, relata.

Os agressores, segundo ele, são, em sua maioria, pertencentes a grupos
extremados, ligados às religiões neopentecostais, que têm crescido muito no país. “Esses agressores, que não tem uma formação ideológica sólida, fazem uma leitura errada do velho testamento e passam a querer impor os seus valores a toda a sociedade, o que é a base do fascismo”, avalia.

Santos alerta que esses grupos, normalmente, têm um projeto muito claro de poder e, por isso, se tornam uma ameaça ainda maior ao conjunto da sociedade. “Quando passam a ocupar cargos públicos, o fazem com o objetivo de disseminar, ainda mais, suas práticas de intolerância e, assim, fazem do Estado agente dessa disseminação”, alerta.

Para o babalorixá, a única resposta possível a esta conduta é a sensibilização da sociedade para criar uma onda inversa, que consiga reverter essa escalada de intolerância, propagando uma cultura de paz.

É por isso que, anualmente, no Rio de Janeiro, a Comissão promove uma caminhada que reúne, majoritariamente, praticantes de umbanda e candomblé, mas também representantes de todas as demais religiões. “No ano passado, conseguimos reunir 180 mil pessoas e, este ano, a expectativa é chegar a 200 mil”. A caminha está prevista para o dia 16 de setembro.

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