103 anos da Umbanda: Carta ao deputado Átila Nunes

O Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua foi convidado a participar da cerimônia de comemoração dos 103 anos de fundação da Umbanda pelo prezado irmão e deputado estadual Átila Nunes. A festa ocorrerá no próximo dia 16 de novembro, a partir das 18h, no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Diante da nossa impossibilidade de estarmos presentes ao grandioso evento, enviamos ao irmão Átila Nunes a carta abaixo, lembrando-lhe que o maior presente para todos os umbandistas será a restauração do Berço da Umbanda, demolido em 5 de outubro.
Leia íntegra da carta dos Caminheiros de Santo Antônio de Pádua ao deputado:

Prezado deputado,
Átila Nunes

Com alegria, agradecemos a sua deferência em convidar-nos para as homenagens à Umbanda pelos 103 anos de existência. Aqui, há mais de 1,2 mil quilômetros de distância, tenha certeza, que estaremos com nossos pensamentos voltados em vibração positiva para esse nobre Legislativo e, em especial ao senhor, para que a comemoração seja coroada de êxito e, mais uma vez, sirva de elo entre todos os umbandistas e espíritas, das diferentes correntes, na construção de uma sociedade mais tolerante, justa e equânime nas relações humanas. Estaremos, com fé pulsante e desejo sincero, torcendo que o seu gesto seja compreendido por todos os segmentos da sociedade e os mais diferentes credos, que tornam o nosso país plural e de uma diversidade singular, que dão a ele características ímpares no conjunto das nações.

Entendemos que celebrações, como a que vem merecendo seu empenho, revelam o inabalável compromisso com a religiosidade de matriz africana, cuja contribuição à formação do perfil do nosso povo, vai além da fé e da mística. Essa matriz se manifesta na cultura, na índole pacífica dos cidadãos, na culinária e em vários outros aspectos, que a torna indissociável do cotidiano de cada brasileiro e está entranhada nas diferentes opções de culto e religião, magnificamente à disposição de todos em comunhão plena com o livre arbítrio.

Diferentemente de boa parte dos cultos abrigados em nosso território, a Umbanda é libertária, compreensiva, tolerante e eclética. É bem possível que, por esse conjunto de características, ela reúna as energias que a escudaram e ainda a defendem das agressões, perseguições e incompreensões. Mesmo estigmatizada, a Umbanda Sagrada chega aos 103 anos impregnando todos os seus seguidores e praticantes de fé na supremacia plena de Oxalá, com uma fonte que desabrocha das entranhas da terra para nos oferecer a água fundamental à vida.

Mas, prezado irmão e parlamentar, nesse elevado momento de congraçamento pelos 103 anos da Umbanda não há como deixar de lamentar o trágico episódio ocorrido no município de São Gonçalo, Niterói, em 5 de outubro. Estarreceu-nos a notícia, veiculada em um jornal carioca, três dias antes, que estava marcada para aquela data a demolição da antiga construção que abrigou a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, onde o Caboclo Sete Encruzilhadas, incorporado no médium Zélio Fernandino de Moraes, em 16 de novembro de 1908, lançou as bases fundamentais da Umbanda.

A destruição da casa que, ao longo de um século e sem a devida preservação, estava deteriorada não é um fato inusitado. Hoje, vemos obras com muito menos idade serem implodidas para ceder lugar a suntuosas construções. No entanto, elas não estão eivadas de significados religiosos ou históricos. O imóvel, localizado na Rua Marechal Floriano Peixoto, nº 30, no bairro de Neves, em São Gonçalo, Niterói, reunia esses elementos. Mais: era um marco do surgimento de uma religião que, hoje, inspira e motiva essa celebração na Casa do povo do Rio de Janeiro, e é uma referência da fé para mais de 400 mil brasileiros e de milhares de pessoas que abraçaram a Umbanda e a praticam em outros países, por quase todos os continentes do nosso planeta.

Como, caríssimo irmão, transformar esse sentimento de perda em celebração? A nossa inépcia, somada ao descaso das autoridades e do Poder Público, impõe mais essa profunda ofensa a todos os umbandistas. A retirada dos escombros da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade abre espaço para um futuro depósito. Aquela tosca construção era o nosso liame com a gênese da Umbanda, a religião que congrega principalmente elementos místicos africanos, indígenas, católicos e espíritas e nos leva a viver no dia a dia uma relação estreita com a espiritualidade e seus ensinamentos.

Permitimos, sem esboçar qualquer reação, que esse referencial da nossa religiosidade virasse pó. Não fomos capazes de ousar e denunciar, em tempo hábil, a fim de alertar as autoridades, mobilizar lideranças e fazer emergir amplo movimento que protegesse aquela velha casa, cujo significado transcende os aspectos materiais. Fomos impiedosos com o berço da nossa fé.

Ao tempo em que nos penitenciamos, ficamos muito à vontade para dividir a culpa e a responsabilidade com as autoridades. Mais uma vez, elas nos negligenciaram. Essa ofensa não se restringe aos umbandistas. É mais uma agressão à história da religiosidade e da cultura do nosso povo ou pelo menos de parcela expressiva da sociedade brasileira.

Como no início do século 20, quando éramos perseguidos pelas forças de segurança do Estado, a destruição do Berço da Umbanda é a materialização do descaso e da omissão, o que não deixa de ser uma forma tão ou mais agressiva de expressar a intolerância religiosa em nosso país.

Porém, a força dos sectários instalados no poder esbarra na inabalável fé e persistência dos umbandistas, bem ilustrada na cerimônia que transformará o cenário dessa Assembléia Legislativa na noite do próximo dia 16 de novembro.

E é a esse Poder, do qual o prezado irmão é parte importante, que nos dirigimos para estender o mesmo apelo levado a alguns setores do governo federal no sentido de agir para a restauração do Berço da Umbanda.

O Estado democrático de direito tem meios, instrumentos e mecanismos legais, sem imputar qualquer prejuízo pecuniário aos atuais proprietários da área, para resgatar o Berço da Umbanda dos escombros e devolver aos milhares de seguidores o seu referencial.

Não reivindicamos algo inusitado, que venha a exigir do Poder Público um esforço acima da sua capacidade. Pedimos apenas que sejam aplicados os mesmo mecanismos utilizados na preservação da cultura imaterial, como ocorreu com vários terreiros de candomblé na Bahia e neste grandioso estado do Rio de Janeiro. Exigimos que os mesmos instrumentos que serviram à restauração e à preservação de templos católicos e de tantos outros espaços de relevante importância histórica, religiosa e cultural para parcelas da nossa sociedade, tão importantes quanto os umbandistas, sejam acionados em defesa do Berço da Umbanda. Ainda há tempo, se a vontade prevalecer sobre a indiferença.

Aí, sim, caríssimo Átila Nunes, estaremos impondo uma densa barreira à intolerância e, ao mesmo tempo, erguendo o respeito às nossas convicções. Além de restaurar a nossa referência religiosa, vamos nos reinserir na sociedade pelo pleno exercício da cidadania. Isso determinará que os nossos valores tenham igual peso a dos demais seguidores de outros cultos e crenças, consoante com os ditames da Constituição Cidadã de 1988.

Assim, o senhor e todos os pares dessa Assembleia Legislativa estão diante de um grande desafio. Não temos dúvida de que a mesma força, alegria e empenho que os movem para saudar os 103 anos da Umbanda, os levarão a reescrever uma página de vitória na história da nossa religião. Que Oxalá, os orixás e a Espiritualidade Maior os inspirem nessa jornada e os façam perseverantes nessa batalha.

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