Uma delegacia contra a fúria da fé

Em uma semana conturbada pelas ostensivas manifestações de racismo, preconceito e homofobia, enfim, uma bela notícia. O deputado Átila Nunes, umbandista convicto, conseguiu que a Assembléia Legislativa promulgasse uma lei de sua autoria, que cria a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no Rio de Janeiro.

Embora saibamos que a criação de mais uma instância não elimina o preconceito, não deixa de ser um instrumento importante para coibir as manifestações de violência que, hoje, afetam os negros e os adeptos das religiões de matriz africana, bem como suas instituições (terreiros ou comunidades).

Lamentável que tenhamos chegado a tal ponto nas relações humanas e religiosas. Repetidas vezes, defendemos neste blog que as religiões deveriam convergir para construção de uma cultura paz, diante da violência que destrói vidas e infelicita milhões de famílias, não importa a etnia ou a fé que professem.

A mais recente pesquisa divulgada pelo Ipea revelou que os brasileiros vivem com medo.Temem morrer assassinados e têm pouca confiança nas forças de segurança pública. Os dados reforçam a necessidade de maior união de todos os credos em torno de uma reforma da sociedade, direcionando todas as energias para mudar essa realidade que aflige a todos indistintamente. Essa mudança não ocorre pela força coercitiva das leis, mas pelo comportamento individual.

Em vez disso, o que temos a comemorar: a criação de uma delegacia para conter a fúria de pessoas que se dizem pregadoras da palavra de Deus, que satanizam as religiões de matriz africana e demonizam os homossexuais, como se a opção sexual os tornassem menos humanos ou criaturas merecedoras do desprezo coletivo. Ora, as cadeias estão lotadas de heterossexuais que violentam crianças, cometem latrocínio e outros atos que os distanciam da condição humana.

Diferentemente dos neopentecostais ­― não são todos, obviamente ―, os umbandistas e candomblecistas não chegam aos terreiros para idolatrar Satã ou quaisquer outras forças associadas ao mal, à destruição. Chegam para louvar a Deus, que em cada casa tem uma denominação diferente, como Zambi, Oxalá, Oxalufan, Oxaguiã, como ocorre em outras nações. Há pelo menos 99 formas de nos referir a Deus. As  pessoas que vão ou estão nos terreiros reúnem-se para exaltar Deus e os Orixás que representam as forças e os elementos da natureza criada por Deus.

Porém elas são satanizadas. Em contrapartida, nos cultos evangélicos, hoje exibidos fartamente nas emissoras de tevê, lá estão eles vendo Satã em todas as coisas e criaturas. Invocam o satã ou o demônio que está nos seus fiéis. Nos terreiros, não há essa prática de exorcização. Busca-se o equilíbrio entre o bem e o mal, por meio das orações que são apelos a Deus para todos sejam imantados com as boas energias do universo emanadas por Ele e por todos os orixás. 

Diante de tanta inversão e perda de valores, resta pelo menos uma certeza: os bruxos ou as bruxarias não partem dos terreiros de Umbanda ou de  Candomblé para aterrorizar a fé alheia ou impedir que as pessoas louvem a Deus da forma que seus corações pedirem. Assim, é essencial fazer uma leitura correta, caso contrário serão necessárias mais delegacias para coibir o racismo, a intolerância e a homofobia.

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