Confusa percepção

Há poucos dias, os Caminheiros de Santo Antônio de Pádua receberam a visita de um senhor muito doente. Ao conversar com o guia de consulta, o senhor atribuía toda a sua doença a uma ação de Exú. Segundo ele, os males do seu corrpo decorriam do fato de ter abandonado "o santo". Indagado se havia buscado o auxílio da medicina para uma avaliação e tratamento, o senhor afirmou que não acreditava nos médicos e que apenas recorria à Umbanda ou ao Candomblé para a cura dos seus males físicos.

Não faltaram comentários entre os médiuns, principalmente pela imagem chocante daquele senhor, com a cabeça totalmente grisalha e aparentando mais de 60 anos de idade. Residente em uma área bastante carente do DF, ele protagonizou um episódio de confusa percepção sobre o papel da espiritualidade, dos trabalhos da umbanda e do descrédito diante dos recursos materiais disponíveis para a cura dos problemas do corpo material. Ao mesmo tempo, ele nos incitou a uma reflexão sobre a responsabilidade de umbandistas e espíritas para elucidar e esclarecer as pessoas com menos esclarecimentos sobre as competências de cada um desses atores que cuidam da vida material e espiritual.

O problema do senhor apenas ilustra muito do que ocorre na maioria dos terreiros. Confundem-se os trabalhos espirituais com mágica. Muitos imaginam que nas casas de Umbanda ou de Candomblé o “milagre” é uma das principais atividades dos espíritos que ali se manifestam para trazer mensagens, cuja finalidade é ajudar as pessoas na sua evolução espiritual, afastar as energias negativas que afetam o equilíbrio da matéria, emocional e espiritual.

É fato que o desequilíbrio das energias pode afetar a matéria, por uma série de desarranjos na sua estrutura. Mas é preciso ter discernimento, nem tudo é espiritual. Nosso corpo sofre desgastes naturalmente, desde o momento em que nascemos. É um processo que, no futuro, explicará, o desencarne. Nascemos, vivemos e morremos, dentro da lógica natural da vida e do tempo de missão espiritual que nos é dado pelo divino plano superior.

O ritmo do desgaste do corpo — invólucro material do espírito — depende do nosso comportamento frente a tudo que a vida nos oferece. Se tivermos um comportamento regrado — alimentação correta, sem vícios e buscarmos, sempre que necessário, os benefícios da medicina — serão grandes as possibilidade de estendermos o nosso tempo de vida no plano material. Ao contrário, quando não cuidamos do nosso corpo de maneira adequada, abreviamos a própria vida.

Não foi à-toa que Deus permitiu aos homens desenvolverem seus conhecimentos no campo da medicina e da ciência para prolongar a vida humana. Há, com certeza, um limite claro entre as ações da espiritualidade sobre nosso corpo e os avanços da ciência. Negar tanto um quanto o outro seria rejeitar as benesses de Deus para com a humanidade.

Assim, é equivocada a percepção que os espíritos — caboclos, pretos-velhos, crianças, exus e outros — possam indefinidamente prolongar nossa estada no plano terreno ou solucionar os problemas próprios da matéria.

Equivocada também é a idéia que os espíritos nos chegam com suas mensagens para operar milagres, repetindo atitudes de Oxalá (Jesus Cristo) quando da sua passagem por este plano terrestre. O “milagre” que realizam é a nossa transformação como indivíduos diante dos desafios que temos que superar em razão da missão que nos cabe cumprir no plano terrestre. É a energia que revigora a fé e nos fortalece na nossa trajetória em busca da evolução e maturidade espiritual. É o amparo no momento em que fraquejamos diante dos obstáculos que se antepõem na nossa caminhada terrena.

Equivocamo-nos quando supomos que os espíritos se comunicam conosco para nos trazer fortuna, bem-estar pleno ou o elixir da juventude. Todos esses enganos que cometemos, quando esperamos milagres dos espíritos, se devem a nossa falta de esclarecimento sobre o verdadeiro papel que eles têm a cumprir no desenvolvimento de sua missão na Terra. Exigir ou esperar que os espíritos nos curem dos males crônicos da nossa matéria é um desses erros. Atribuir aos espíritos a causa dos nossos males é outro ainda maior ou a maneira mais fácil e simples de esconder a nossa responsabilidade sobre as conseqüências dos atos individuias sejam com o corpo ou durante a trajetória de vida.

As intercessões da espiritualidade que resultam benefícios a nosso favor não devem ser entendidas como milagre. A maioria delas é uma nova oportunidade que se abre para que possamos nos reencontrar com os ensinamentos de Oxalá ou por merecimento.

Comentários

creusa lins disse…
Belíssimo texto, pois retrata de forma clara e suscinta o entendimento que nós médiuns e aqueles que procuram os centros espíritas, principalmente umbandista, devem ter da mediunidade. Esta matéria deveria ser divulgada e discutida como preleção nos dias de atendimento.

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