Intolerância religiosa consentida

Não podemos julgar todos pelo erro de um. Menos ainda cometer o irreparável engano de fazer com que os justos paguem pelos pecadores. Mas não há como negar que merece o repúdio geral o lastimável episódio, ocorrido no Rio de Janeiro, em que uma pastora da Assembléia de Deus de Jardim América e empregada doméstica, Nádia Pereira, agrediu e tentou atear fogo na sua patroa, a umbandista Cirene Dark, 54 anos.

O atentado à vida da umbandista foi levado à Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, que denunciou o episódio às autoridades policiais e provocou a abertura de inquérito pela 24ª Delegacia de Polícia de Piedade.

O fato chegou à opinião pública na edição on-line do jornal “O Dia” e provocou uma série de comentários de diversos leitores, entre eles alguns evangélicos. A maioria deles condena com veemência o ataque da pastora e doméstica contra a umbandista. A atitude da pastora foi condenada também por evangélicos, que viram no seu gesto, além de uma manifestação de intolerância religiosa, uma expressão de racismo, um crime inafiançável pelas leis brasileiras.

Se não foi uma atitude premeditada, o que teria levado uma evangélica a buscar emprego na casa de uma umbandista? Ela teria sido estimulada pelos dirigentes de sua igreja a praticar a violência contra uma umbandista?

Será que as autoridades das igrejas evangélicas incitam seus fiéis a tais práticas contra os que professam as religiões de matriz africana? Se os dirigentes da igreja central da Assembléia de Deus ou de qualquer outra vertente dos evangélicos são contrários a tais manifestações, por que, até agora, não vieram a público negar que essa seja a orientação dada aos seus seguidores?

O silêncio é expressão de conivência e de estímulo à violência. Ou não? Então, é preciso lembrar o velho ditado popular: “Quem cala consente.”

Todos os dias, os veículos de comunicação noticiam agressões aos terreiros de Umbanda e Candomblé, liderados por evangélicos neopentecostais. Agressões e até assassinatos de dirigentes de terreiros ocupam as páginas da internet e dos jornais. O resultado dos inquéritos policiais não chega ao conhecimento da opinião pública.

As autoridades policiais e até mesmo do Ministério Público, que tem em sua página na internet espaço para a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, não revelam as providências adotadas para coibir essa onda de violência contra os umbandistas e candomblecistas. Será que esta timidez se deve ao fato de o Congresso Nacional abrigar uma bancada evangélica, que influencia fortemente nas decisões do Parlamento?

A omissão das autoridades frente à violência estimula e fortalece a “cruzada” deflagrada pelos evangélicos contra os terreiros de Umbanda e Candomblé. Os neopentecostais desafiam as autoridades, afrontam os mandamentos constitucionais e ignoram os mais elementares direitos humanos. A Justiça se mostra efetivamente “cega” perante o direito de parcela expressiva da população brasileira que é umbandista e candomblecista.

Até quando o Poder Público se manterá inepto diante dessa “cruzada” infame?

A seguir a reação de vários leitores do jornal O Dia:

 “Sou protestante, e essa suposta pastora deu um péssimo testemunho para a sociedade. Afinal pregamos um Deus de amor e misericórdia, e uma liderança, que deveria ser equilibrada, comete um ato criminoso desse? Cadeia nela, é inconcebível essa intolerância. Pois a mesma tem um teor inegável de racismo, de achar que tudo que é de matriz africana é coisa do demônio. Tentar atear fogo? Isso é tentativa de assassinato. Ainda possui uma rádio pirata, onde já se viu usar meios ilícitos para pregar o Evangelho? Essa senhora é um equívoco. Cadê a direção geral da Assembléia de Deus para dar uma satisfação?" — Rafel Fortunato Conrado

"Eu sou evangélico, mas a grande realidade é que, em qualquer religião, existem os extremistas, fundamentalistas e fanáticos". — Tiago

"Infelizmente, pessoas assim denigrem a imagem de qualquer instituição, devem ser julgados separados da instituição". — Alberto

"Agora eu me pergunto o que essa sra. evangélica estava fazendo na casa da sra. umbandista. Por que não foi trabalhar na casa de um de seus 'irmãos'?" — Marisa Fernandes

 "Existem os loucos que se dizem evangélicos, assim como existem os tarados e homossexuais que se dizem padres. Independentemente de religião, o que será que esta senhora fez à outra? Pois todo mundo que leva a pior é vítima, mas tem muita empregada por aí sendo humilhada". — Ronaldo Vasconcelos

"Evangélico é quem segue o Evangelho de Jesus. Certamente essa pastora não é evangélica. Jesus, em momento algum, autoriza ou ordena que um tire a vida de outro, pelo contrário, ensina que nos amemos e levemos o Evangelho a todas as pessoas, inclusive às que não são cristãs, como a umbandista". — Tereza de Orleans

 "Essa senhora é infelizmente uma pessoa doente, tenha ela ou não uma religião! Que Deus tenha piedade dela e de sua família, que no mínimo está envergonhada por esse ato tão insano!" — Taisa Helena Marmello

"A culpa está nas igrejas evangélicas, como a Assembléia de Deus, que dá título de pastor a quem não tem o devido preparo para tal. Estes se tornam radicais e acima do bem e do mal ,ensinando coisas absurdas e denegrindo toda a teologia". — Zilnard Carvalho

"Não julguem um por todos, sempre há malucos em todas as esferas religiosas". — Ronaldo Brasil

"A culpa não é da senhora e sim da educação do povo. Devemos ensinar o que é a religião para que haja respeito". — Mauricio Pereira

"Não tirem todos os evangélicos por esta cidadã lamentável. O termo evangélico se enquadra a quem medita e cumpre os ensinamentos do Evangelho de Jesus. O ato desta mulher não tem nada a ver com os ensinamentos de Cristo, que são baseados na tolerância e principalmente no Amor". — Fabio Chaves

"Ignorância à flor da pele. Na Bíblia, não tem nenhum mandamento neste sentido. A mensagem de Jesus é de amor e salvação, nunca de violência". — Marcelo Jorge Nabor

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