A Umbanda é, ou não, uma religião cristã?

De vez em quando, esse debate vem à tona. Enquadra-se, equivocadamente, a Umbanda entre as religiões cristãs. Uma grande confusão que emerge do sincretismo religioso, estratégia dos africanos, sequestrados e tornados escravos, no século 16, para esconder a sua religiosidade e práticas devotadas aos orixás, entidades regentes das forças da natureza.  

A tática hoje se revela ultrapassada, pois a Umbanda bem como as demais práticas de matrizes africanas são reconhecidas, apesar da intolerância religiosa reinante no país, uma das vertentes do racismo institucionalizado.

Assim, achamos que Oxalá é Jesus; Oxóssi, São Sebastião (RJ) ou São Jorge (BA); Ogum é São Jorge (RJ) ou Santo Antônio (BA)... Xangô é São Jerônimo, São José, João Batista e tantos outros santos católicos.  E, assim, vamos associando santos às divindades da Umbanda.

Os teólogos são taxativos: a Umbanda não é uma religião cristã. Embora agregue elementos do catolicismo, não é cristã. Também não é pajelança, por ter elementos dos rituais indígenas. A pluralidade decorre da natureza agregadora da Umbanda. Mas isso não a torna cristã. Tanto é assim que as entidades cultuadas têm raízes nas matrizes africanas, bem como as oferendas aos orixás que são feitas em agradecimento, em apelos por misericórdia ou por outros motivos. Tanto é assim que os orixás e oferendas do panteão das divindades da Umbanda são nomes originários das culturas bantu, iorubá, Jeje-Fon, keto e nagô, fazem parte dos rituais umbandistas, exceto o abate.

De um lado, didaticamente, para os leigos, talvez seja mais fácil compreender a prática umbandista, quando associamos as divindades aos santos católicos. Essa relação, por meios de imagens nos terreiros, sincretizados com as divindades da Umbanda (os orixás) facilita a compreensão, embora sejam, na essência, elementos diferentes. Os orixás são fontes de energias absolutamente distintas das forças emanadas de santos, assim consagrados de acordo com os conceitos católicos.

Ser umbandistas não implica negação nem repúdio ao catolicismo, com todos os seus ensinamentos e ritos nem a outras práticas cristãs. O importante é não confundir todas essas expressões de fé, pois têm origens distintas e, portanto, peculiaridades próprias. Ser umbandista, não significa negar a importância de Jesus Cristo, principal ícone dos cristãos. A Umbanda o reconhece como um dos mais iluminados espíritos que teve uma experiência singular no plano material. Mas esse reconhecimento não torna a Umbanda uma religião cristã.

Os umbandistas também admitem a importância de Sidarta Gautama, o Buda, uma referência para os chineses.  Assim, como Jesus, Buda trouxe à humanidade ensinamentos valiosos, opôs-se aos conflitos, à violência e defendeu a harmonia entre todos os seres. No entanto, a Umbanda não é uma religião oriental.

A pluralidade da Umbanda permite que se recorra às preces católicas na abertura e encerramento dos trabalhos espirituais dos terreiros. Algo que poderia ser dispensado, pois a prece é, na verdade, um diálogo com o sagrado, com todos os orixás, falanges e entidades que incorporam nos médiuns. Igualmente, os pontos ou toadas (orações cantadas), que exaltam as entidades e suas virtudes, nada têm em comum com os hinos católicos ou evangélicos.

A Umbanda não preconiza o rompimento radical com as práticas de fé do passado por seus adeptos e praticantes. Pelo contrário. Todos os bons ensinamentos, que somam para a paz, o respeito e a harmonia entre as diferenças, são bem-vindos aos terreiros.

A Umbanda também é monoteísta. Crê na existência de um só deus. Reconhece que esse deus (Zambi) é criador do céu e da terra, regente do universo e de todas as forças nele existentes. O que a torna diferente, assim como todas as demais expressões religiosas de matrizes africanas, é não rejeitar qualquer pessoa, por condição socioeconômica, cor da pele, orientação sexual, nível educacional, origem, etnia, ideologia, muito menos pelas crenças religiosas.

Eis aqui uma boa provocação, que inspira o bom debate. Em vez de divergências, líderes religiosos, seguidores de diferentes cultos e religiões deveriam se concentrar nas convergências entre as peculiaridades da várias formas de dialógo com o sagrado, sem a prepotência ou a arrogância daqueles que se dizem "proprietários" da verdade. Desconsiderar a pluralidade ou formas sigulares de manifestação de fé seria ignorar a diversidade de trajetos e formas que dão beleza e estabelecem a harmonia ao universo.

Comentários

belle jeunesse disse…
Leitura interessante. Daria um ótimo debate.
Anderlon disse…
Olá Rosane,

Concordo com o texto.

* O que vou escrever abaixo é apenas minha opinião, e pode estar equivocada em alguns pontos. Ainda sou um iniciante.

Pelos itãs, os orixás vieram dezenas de milhares de anos antes dos santos católicos, e isso inclui Oxalá.
E Jesus encarnou há “apenas” 2.000 anos, bem depois desses relatos, portanto, Oxalá não poderia ser Jesus, então não teria como as religiões de matriz africana serem cristãs em sua essência. O máximo que se pode ter é uma associação arquetípica, o que em certa medida tem seu valor, já que se pode unir energias e egrégoras semelhantes para determinados objetivos. Inclusive, aí é o que há de mais belo na Umbanda em relação às outras religiões.

Além disso, pelo que já li em fontes diferentes, os fundamentos que deram origem a Umbanda estão alicerçados principalmente no Candomblé de Caboclos, Cabula e catolicismo popular (não no apostólico romano). E o Zélio Fernandino acrescentou a esses ingredientes um pouco de doutrina espírita kardecista. E acredito que os pretos-velhos, originalmente, apesar de serem obrigatoriamente batizados, eles na prática estão ligados a este catolicismo popular em seus terços, suas rezas e outras atitudes.

Inclusive creio que o fato do Zélio ter inicialmente colocado nomes de santos católicos nas Tendas e ter retirado os atabaques foi provavelmente para se diferenciar da Macumba Carioca que era muito perseguida pela polícia.

Pelo que pude notar (sou iniciante), os umbandistas têm profundo respeito por Jesus e Maria, e sobretudo pelos caboclos, pretos-velhos, crianças, e demais tarefeiros e falangeiros. E também pelos orixás, voduns e inquices, além de aceitar outras culturas em suas linhas e vertentes. Toda essa pluralidade não faz da Umbanda uma religião cristã, mas vai além, lhe concede uma identidade própria.

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