Para entender o carma
Dona Isabel caminhava em direção a Pai Antônio. Chegara a
hora de seu atendimento e ela estava para comunicar-lhe sua decisão: pediria
afastamento do terreiro.
− Oi zifia! Como vai suncê? Ah quanto tempo hein?!?
− Boa noite Pai Antônio! O senhor já sabe o que eu vim fazer
aqui hoje, não sabe?
− Filha se este preto-velho tivesse este poder ele não seria
Pai Antônio: seria o próprio Deus, pois só Ele sabe de todas as coisas.
− Como assim vovô?
− Nós não somos advinhos zifia! Se suncê veio aqui é por que
tem algo a dizer e este nêgo velho aqui se encontra, de coração aberto, só para
te escutar!
− Então, acho que tenho que dizer de uma vez, não é vovô?
− Da forma que suncê achar melhor, minha filha!
− É que eu vou pedir desligamento do terreiro! O que o
senhor acha disto?
− Filha toda decisão sinaliza um caminho que envolve
pensamentos e sentimentos. Onde este caminho vai dar, abaixo de Deus, só teu
pensar e sentir é que poderão dizer.
− Como assim Pai Antônio?
− Bom senso minha filha! Toda decisão, de todo ser humano,
deve ser pautada pelo bom senso!
− O senhor está dizendo que esta minha decisão não está
baseada no bom senso?
− Longe de mim zifia, pois este preto-velho não faz
julgamento de valor! Só estou tentando explicar para a filha que a ilusão
obscurece o bom senso.
− Ilusão? Como assim?
− Só um instantinho minha filha!
A entidade solicitou que seu cambone lhe trouxesse água
gelada. Somente quando ele retornou foi que Pai Antônio disse a Isabel:
− Filha, por caridade, estique sua mão direita e diga se
este líquido está quente ou frio.
A entidade derramou um pouco de água mineral, que estava em
temperatura ambiente, na mão dela que respondeu-lhe:
− Nem quente, nem fria: está em temperatura ambiente!
− Continue com sua mão esticada.
Pai Antônio derramou a água gelada, que seu cambone
trouxera, na destra de sua consulente que falou-lhe:
− Este líquido está gelado!
− Permaneça com sua mão esticada!
O preto-velho tornou a derramar a água mineral em
temperatura ambiente na mão de Isabel que disse:
− Esta água está quente!
− Suncê viu de onde nêgo tirou esta água que suncê falou que
estava quente?
− Vi sim senhor. O senhor a tirou da garrafa de água
mineral!
− E como a mesma água que suncê respondeu que estava em
temperatura ambiente, de repente ficou quente?
− É que a água que o senhor jogou na minha mão antes dela
estava muito gelada.
− Muito bem minha filha! Suncê é muito sabida! Percebe o que
a ilusão dos sentidos pode fazer com seu julgamento? Seu pensamento? Seu
sentimento?
− Não totalmente.
− Não se preocupe minha filha! Continue a prosear com este
velho que Deus, em sua infinita misericórdia, há de fazê-la compreender certas
coisas!
− Vovô eu não consigo mais ver sentido em ficar aqui: o
senhor sabe que minha filha, que assim como eu era médium desta casa, acabou de
desencarnar fulminantemente por conta de uma enfermidade que ninguém pôde
diagnosticar a tempo de salvá-la.
− Salvá-la de que zifia?
− Da morte!
− Mas não existe morte zifia: só existe vida, ainda que em
outro plano da existência!
− Nenhuma entidade contou nada para mim ou para ela que só
foi saber da doença quando passou mal e os médicos a diagnosticaram como
enferma após realização de vários exames.
− Suncê se sentiu traída por nós, minha filha?
− Vocês sabiam da doença?
− Sim minha filha!
− Então, eu me senti traída, porque vocês não me alertaram!
− Filha, e de que adiantaria nosso alerta se a doença
começara a se desenvolver em sua filha há dez meses? Se a situação da saúde de
sua filha era irreversível há cinco meses e se vocês entraram para corrente
mediúnica do terreiro há três meses?
− Mas vocês poderiam ter nos alertado, nos preparado!
− Preparar? Desculpe a franqueza zifia, mas a preparação, a
ser realizada com sabedoria e humildade, para a verdade imutável que é o
desencarne deve acontecer todo dia e a todo o momento, pois só Deus sabe a hora
de cada um.
− Eu vou sair por que acho que vocês podiam ter nos
preparado!
− Filha há muito tempo, quando suncê tinha dezesseis anos,
seu pai faleceu da mesma moléstia que sua filha apresentou!
− É verdade.
− Seu pai lutou contra a moléstia por quase treze meses!
− Isto também é verdade!
− E foi justamente durante estes treze meses que suncê,
somatizando todo o sofrimento pela condição de saúde de seu paizinho,
desenvolveu uma úlcera gástrica que tanto lhe incomoda até os dias de hoje!
− É verdade!
− Agora, minha filha, abrindo seu coração com honestidade,
responda:
− Em que lhe ajudou saber sobre a doença do seu pai à época
em que ele estava doente?
− Acho que começo a entender o senhor!
− Zifia Isabel, este nêgo véio fala a suncê que nós, que
suncês chamam de entidades, não somos advinhos! Somos falangeiros que militam
pela Lei Maior e pela Justiça Divina!
− Eu entendo.
− Para Deus o bem maior está acima das individualidades dos
seus humanos filhos e foi por isso que ao mundo Ele enviou Jesus.
Isabel chorou sentidamente ao lembrar-se do sofrimento a que
Jesus fora submetido quando encarnado e reconheceu que o sofrimento de sua
filha nada foi em comparação ao dele.
Pai Antônio esperou o estado emocional de Isabel tornar a
normalidade e disse-lhe:
− Nêgo-velho gostou da sinceridade do seu coração, mas aqui
no dia de hoje nós não estamos trabalhando o sofrimento de sua filha; até mesmo
porque ela não sofre mais onde se encontra, já que está disposta em repouso e
recebendo tratamento adequado para que venha a despertar em momento oportuno!
− Verdade?
− Sim zifia! No dia de hoje trabalhamos o seu sofrimento!
− É vovô! Cada um com seu karma!
− Filha karma não é sofrimento: é libertação!
− Como assim?
− Karma, zifia Isabel, é ter humildade de clamar sabedoria a
Deus diante dos desafios que são apresentados na vida de cada um, pois uma vez
aprendido o ensinamento, com fé e resignação, evolui-se em direção a
Deus-Nosso-Pai!
− Como assim?
− A vida é um karma não pelos sofrimentos que surgem na
jornada, mas pela possibilidade de libertação que proporciona se tivermos
sabedoria para vencer os desafios no caminho.
− Creio que entendi! A morte de um ente querido é um desafio
natural da existência humana. O karma não é sofrer com a perda, uma vez que o
sofrimento é natural nesses casos, mas sim alcançar a liberdade incondicional
ao vencermos tal desafio.
− Filha tempos atrás suncê contou que a entidade que lhe
assiste nas incorporações, o Caboclo Araribóia, apareceu duas vezes em sonho
para você e pedia-lhe que continuasse a andar numa estrada, não é verdade?
− Isto vovô! Ele aparecia e me mostrava uma estrada em que
eu devia voltar a caminhar!
− Pois então zifia saiba que tal estrada não é
necessariamente este terreiro, mas sim a Umbanda Sagrada!
− Verdade?
− Certamente zifia! Se suncê quiser sair do terreiro as
portas vão estar abertas assim como se encontravam quando você por elas
adentrou neste terreiro pela primeira vez. O importante na sua vida não é o
terreiro zifia, seja ele qual for, o importante é a Umbanda!
− Isto é verdade mesmo Pai Antônio porque antes de entrar
neste terreiro há três meses, eu fiquei 5 anos afastada da umbanda.
− Nêgo velho entende zifia! Foi quando seu esposo faleceu,
não foi?
− Foi isto mesmo vovô!
− Após 25 anos de casados o seu esposo desencarnou pelo
câncer e você, como forma de homenagear o amor que sempre houve entre vocês,
decidiu prestar trabalho voluntário em alas hospitalares onde se encontram
crianças que possuem câncer, não é verdade?
− Como o senhor sabe disto vovô? Eu nunca contei para
ninguém!
− Foi o Caboclo Araribóia zifia!
− Ah é? E porque vovô?
− Por que para Deus o bem maior está acima da
individualidade do ser humano.
− Como assim? O senhor poderia explicar?
− Filha o câncer em sua história familiar não é sofrimento
apenas: é karma! Possibilidade de libertação em direção a Deus!
− Isto eu estou entendendo!
− Karma é cumprimento da Lei Maior e da Justiça Divina na
vida de suas humanas criaturas! Quando estas se envolvem consistentemente em
labores caritativos o Pai envia sua Misericórdia como um bálsamo na vida na
vida destes Seus filhos.
− Entendo!
− O teu trabalho voluntário em favor das criancinhas fez com
que você recebesse a oportunidade de ter a tua filha tratada e assistida pelos
médicos do astral a fim de que viesse a ter um desencarne sereno e indolor!
− Meu Deus eu jamais poderá imaginar!
− Posso lhe dizer ainda mais zifia: sabendo que você
somatiza com muita facilidade o sofrimento dos que lhe são muito próximos, foi
que o Caboclo Araribóia providenciou formas para lhe resgatar de volta para a
Umbanda, como um modo de evitar que isto ocorresse!
− Meu Pai Deus é muito bom!
− Até mesmo por que se isto ocorresse as crianças assistidas
por você voluntariamente ficariam sem ter como receber o lenitivo que você mais
consegue lhes proporcionar: o sorriso!
Dona Isabel chorava copiosamente a cada vez que dizia:
− Deus é bom! Obrigada meu Deus! Obrigada!
Pai Antônio aguardou sua consulente serenar as emoções e,
para encerrar aquele atendimento, disse-lhe:
− Foi o que este preto-velho lhe disse zifia: Para Deus o
bem maior está acima das individualidades dos seus humanos filhos, mas a
misericórdia Dele é, de fato, infinita! Suncê não está sozinha minha filha,
nunca se esqueça disto! Vá com a força e a luz de Deus-Nosso-Pai!
Fonte: Minha Umbanda - Facebook
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